No contexto brasileiro, o controle de constitucionalidade pode ser dividido em duas categorias principais: o controle de constitucionalidade difuso e o controle de constitucionalidade concentrado. Neste artigo, exploraremos as semelhanças e diferenças entre esses dois tipos de controle de constitucionalidade, além de destacar suas características distintivas.
Controle de Constitucionalidade Difuso
O controle de constitucionalidade difuso é aquele realizado, em regra, de forma incidental, ou seja, durante o julgamento de um caso concreto. Nesse modelo, qualquer juiz ou tribunal pode declarar a inconstitucionalidade de uma norma que contrarie a Constituição Federal. Não há uma corte específica incumbida dessa função, o que permite uma maior dispersão de autoridades competentes para apreciar a questão. Uma das principais características desse modelo é a aplicação do efeito inter partes, ou seja, a declaração de inconstitucionalidade afeta apenas as partes envolvidas naquele caso específico.
Origem do Controle de Constitucionalidade Difuso nos Estados Unidos
O controle de constitucionalidade difuso, embora seja uma característica importante do sistema jurídico brasileiro, tem suas raízes nos Estados Unidos. A partir do famoso caso Marbury v. Madison, de 1803, a Suprema Corte dos Estados Unidos estabeleceu o princípio da revisão judicial (judicial review), permitindo ao judiciário avaliar a constitucionalidade das leis e tomar decisões nesse sentido.
O caso Marbury v. Madison é conhecido por ter estabelecido o princípio da supremacia da Constituição e, consequentemente, o poder do judiciário para reconhecer a nulidade de leis que conflitem com a Constituição. Essa decisão histórica, proferida pelo Chief Justice John Marshall, pavimentou o caminho para o desenvolvimento do controle de constitucionalidade difuso nos Estados Unidos e influenciou sistemas jurídicos em todo o mundo, incluindo o brasileiro, que expressamente o incorporou no Decreto 848, de 11/10/1890, que organizou a Justiça Federal, sendo na sequência previsto na constituição de 1891. .
Controle de Constitucionalidade Concentrado
O controle de constitucionalidade concentrado, por sua vez, é realizado perante um órgão específico, no caso do Brasil, o Supremo Tribunal Federal (STF) e, em algumas situações específicas, os Tribunais de Justiça estaduais (TJ). Nesse modelo, a ação direta de inconstitucionalidade (ADI), a ação declaratória de constitucionalidade (ADC), ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO), a arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), a representação de inconstitucionalidade estadual e representação interventiva são as principais ferramentas para questionar ou afirmar a constitucionalidade de leis e atos normativos ou compatibilidade com a constituição. Diferentemente do controle difuso, no controle concentrado, a decisão possui eficácia erga omnes, ou seja, vincula todos os órgãos do Poder Judiciário e a Administração Pública, produzindo efeitos gerais e abstratos.
Controle de Constitucionalidade Concentrado e a Contribuição de Hans Kelsen
O controle de constitucionalidade concentrado, por sua vez, é um modelo que foi idealizado pelo renomado jurista austríaco Hans Kelsen. Kelsen é amplamente reconhecido como o pai da Teoria Pura do Direito e desempenhou um papel fundamental na criação de sistemas jurídicos modernos. Foi ele quem concebeu a ideia de um órgão central, como a Suprema Corte, encarregado de realizar o controle concentrado de constitucionalidade.
A contribuição de Hans Kelsen para o desenvolvimento do controle de constitucionalidade concentrado foi significativa. Sua teoria da norma fundamental, que serviria como a base para a hierarquia de todas as normas jurídicas, incluindo a Constituição, influenciou a criação de sistemas de controle de constitucionalidade em todo o mundo. No Brasil, a EC 16/65 alterou a Constituição de 1946 para incorporar essa ideia ao criar representação de inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, que passa a ser o órgão responsável pelo controle concentrado de constitucionalidade.
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Semelhanças entre Controle de Constitucionalidade Difuso e Concentrado
Objetivo Fundamental
Tanto o controle de constitucionalidade difuso quanto o controle de constitucionalidade concentrado têm como objetivo primordial garantir a supremacia da Constituição. Ambos visam assegurar que as leis e atos normativos estejam em conformidade com os preceitos constitucionais, evitando conflitos e contradições que possam surgir no sistema jurídico.
Proteção da Ordem Constitucional
Ambos os tipos de controle desempenham um papel fundamental na proteção da ordem constitucional. Eles têm o poder de declarar a inconstitucionalidade de normas que contrariem a Constituição, garantindo, assim, a harmonia e a integridade do sistema legal.
Vias Processuais para Questionamento
Tanto no controle de constitucionalidade difuso quanto no controle de constitucionalidade concentrado, existem vias processuais específicas para questionar a constitucionalidade das leis e atos normativos. No controle difuso, essa via processual ocorre por meio de uma questão incidental durante o julgamento de um caso concreto, enquanto no controle concentrado, a ação direta de inconstitucionalidade (ADI), a ação declaratória de constitucionalidade (ADC), ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO), a arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), a representação de inconstitucionalidade estadual e representação interventiva são os instrumentos jurídicos utilizados.
Guardiões da Constituição
Ambos os modelos atribuem a um órgão do Poder Judiciário a responsabilidade de atuar como guardião da Constituição. No controle de constitucionalidade difuso, qualquer juiz ou tribunal pode declarar a inconstitucionalidade de uma norma durante o julgamento de um caso específico. No controle de constitucionalidade concentrado, o Supremo Tribunal Federal (STF) assume esse papel, assegurando a uniformidade das decisões em questões constitucionais.
Julgamento de Casos Complexos
Tanto o controle de constitucionalidade difuso quanto o controle de constitucionalidade concentrado podem ser utilizados para julgar casos complexos que envolvem questões constitucionais significativas. Ambos os modelos permitem que o tribunal examine a constitucionalidade das leis e atos normativos de forma detalhada, garantindo que a interpretação e aplicação da Constituição sejam consistentes.
Prazo para Propositura
Em ambos os casos, não há um prazo fixo para a propositura das ações de controle de constitucionalidade, uma vez que podem ocorrer incidentalmente durante qualquer processo ou por meios das ações específicas e diretas.
Em resumo, embora o controle de constitucionalidade difuso e o controle de constitucionalidade concentrado possuam diferenças fundamentais em termos de procedimentos, efeitos das decisões e órgãos julgadores, é importante destacar as semelhanças essenciais que compartilham. Ambos buscam a proteção da ordem constitucional, garantem que as leis estejam em conformidade com a Constituição e oferecem vias processuais específicas para questionar a constitucionalidade das normas. Essas semelhanças refletem o compromisso comum em preservar os princípios e valores fundamentais estabelecidos na Constituição, tornando-os elementos essenciais do sistema de justiça constitucional em qualquer país.
Diferenças entre Controle de Constitucionalidade Difuso e Concentrado
Órgão Julgador
Controle Difuso: No controle de constitucionalidade difuso, qualquer juiz ou tribunal, ao julgar um caso concreto, tem a competência para declarar a inconstitucionalidade de uma norma. Não há uma corte específica incumbida dessa função, o que permite uma maior dispersão de autoridades competentes para apreciar a questão.
Controle Concentrado: No controle de constitucionalidade concentrado, a competência para julgar a constitucionalidade das leis recai sobre um órgão específico, no Brasil, o Supremo Tribunal Federal (STF), e, em algumas situações específicas, o Tribunal de Justiça estadual (TJ).
Efeitos da Decisão
Controle Difuso: No controle difuso, a decisão que declara a inconstitucionalidade de uma norma possui um efeito inter partes, ou seja, afeta apenas as partes envolvidas no caso concreto em julgamento. Não gera um precedente vinculante para outros casos.
Controle Concentrado: Já no controle concentrado, as decisões proferidas pelo STF e TJ no âmbito estadual possuem eficácia erga omnes e vinculante, ou seja, vinculam todos os órgãos do Poder Judiciário e a Administração Pública, produzindo efeitos gerais e abstratos.
Procedimento
Controle Difuso: No controle de constitucionalidade difuso, a análise de constitucionalidade ocorre incidentalmente durante o julgamento de um caso específico. A questão constitucional é apenas um aspecto do litígio.
Controle Concentrado: No controle concentrado, a análise da constitucionalidade é o objeto principal da ação, que é iniciada por meio de uma ação específica e direta perante o STF ou TJ. O processo é dedicado exclusivamente a essa análise.
Natureza do Processo
Controle Difuso: O controle de constitucionalidade difuso tem uma natureza subjetiva, uma vez que há partes interessadas e sujeitos de direito e a inconstitucionalidade é declarada apenas em relação às partes envolvidas no litígio.
Controle Concentrado: Já o controle de constitucionalidade concentrado possui uma natureza objetiva, uma vez que a análise recai sobre a norma em si, considerando sua conformidade com a Constituição, independentemente das partes envolvidas no processo.
Conclusão
Em resumo, o controle de constitucionalidade difuso e concentrado são dois modelos fundamentais para assegurar a supremacia da Constituição em um sistema jurídico. Embora compartilhem o mesmo objetivo, suas diferenças na abordagem, órgão julgador, efeitos das decisões e natureza do processo tornam cada um adequado a diferentes situações e demandas da justiça. Compreender as semelhanças e diferenças entre esses dois tipos de controle é essencial para uma análise aprofundada do sistema de justiça constitucional brasileiro. Além disso, é importante reconhecer a influência histórica dos Estados Unidos na origem do controle de constitucionalidade difuso, a contribuição de Hans Kelsen na idealização do controle concentrado e as particularidades desses modelos.
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