A História da Jurisdição Constitucional: Precedentes Cruciais
Precedentes
À medida que exploramos a Jurisdição Constitucional, identificamos três precedentes cruciais: o povo hebreu, a Grécia e a Idade Média.
Povo Hebreu
Quando observamos o povo hebreu, o autor alemão Karl Loewenstein argumenta que encontramos um precursor histórico do controle de constitucionalidade e da jurisdição constitucional. Isso se deve à rica história de Israel na antiguidade, especificamente no período antes de Cristo, que corresponde ao que hoje conhecemos como o Velho Testamento. Enquanto os cristãos se referem a essa parte da Bíblia como o Antigo Testamento, os judeus a chamam de Tanakh. Esta coleção de textos inclui muitos livros, dos quais os cinco primeiros são conhecidos como a Torah, ou Pentateuco no contexto cristão. Estes cinco livros são Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio (em hebraico: Bereshit, Shemot, Vayicrá, Babidmar e Devarim).
A palavra “Torah” em hebraico significa instrução ou direção, representando a Lei Divina. É importante notar que os judeus têm uma série de outras tradições além da Torah, incluindo o Tanakh e o Talmude, entre outros. No entanto, neste contexto, estamos destacando a Torah, a Lei Mosaica, que possui uma autoridade superior até mesmo sobre os reis. Os reis de Israel eram obrigados a seguir a Lei de Moisés. Esta era uma parte fundamental de sua governança.
No Antigo Testamento, quando Israel era uma monarquia, reis notáveis como Davi e Salomão eram obrigados a obedecer à Lei Divina, representada pela Torah. Quando esses reis desrespeitavam a Torah, Deus enviava profetas para confrontá-los e apontar seus erros. Os profetas não eram videntes que previam o futuro, mas sim defensores zelosos da Palavra de Deus, responsáveis por trazer a orientação divina e corrigir qualquer desvio em relação à Lei de Deus.
Portanto, essa estrutura, com a Torah como lei superior, os reis obrigados a obedecê-la e os profetas encarregados de fiscalizar o cumprimento da lei, pode ser vista como um embrião dos princípios modernos de controle de constitucionalidade e jurisdição constitucional, de acordo com a perspectiva de Karl Loewenstein.
Grécia
Ao explorarmos a rica herança da Grécia, deparamo-nos com duas expressões significativas: “nómos”, que deu origem à palavra “norma”, e “pséfisma”. Inicialmente, essas duas palavras eram usadas de forma quase intercambiável, cada uma com seu papel, mas com o passar do tempo, assumiram significados distintos e cruciais para nossa compreensão atual.
“Nómos” evoluiu para denotar uma norma superior, uma regra que se inclinava para a perenidade, uma base sólida e de difícil modificação. Em contrapartida, “pséfisma” passou a representar normas menos permanentes, suscetíveis a ajustes ao longo do tempo ou por meio das decisões da assembleia popular, conhecida como “eklesia”.
Podemos comparar isso à distinção entre lei e decreto em nossa realidade contemporânea. “Nómos” seria a norma superior, menos efêmera e mais duradoura, enquanto “pséfisma” seria uma norma subordinada à “nómos” e, portanto, sujeita a possíveis alterações.
Essa noção de hierarquia entre normas, essa compreensão de que algumas normas detêm um status superior em relação a outras, constitui um conceito fundamental no contexto do controle de constitucionalidade. Essa herança grega nos fornece uma base sólida para entender como os sistemas jurídicos modernos estabelecem a autoridade e a estabilidade das normas fundamentais em contraposição às normas mais flexíveis, um princípio essencial que subsiste até os dias de hoje.
Idade Média
Na fascinante jornada pela Idade Média, nos deparamos com o conceito do “jus naturale” ou Direito Natural, que se destacava como uma norma superior ao Direito positivo, aquele que foi positivado e estabelecido. Os direitos naturais precedem o próprio surgimento do Estado e, portanto, antecedem a criação das leis positivas. Nesse contexto, sua precedência impõe sua supremacia sobre o Direito positivo, exigindo que este último esteja em conformidade com o Direito natural. Assim, o Direito positivo deve reverenciar e respeitar os princípios do Direito natural.
Essa dinâmica de pensamento constitui o cerne do constitucionalismo medieval, no qual surgem documentos emblemáticos, que inicialmente se levantavam como uma crítica ao absolutismo pontifício da Igreja, embora, em um primeiro momento, não fossem uma reação direta contra o absolutismo monárquico. Essa crítica foi dirigida, em grande parte, à figura do Papa, antes de se estender gradualmente para a autoridade monárquica. A famosa Magna Carta, na Inglaterra, é um marco dessa busca por impor certos limites ao poder do rei.
Nesse contexto, Maquiavel emergiu como uma figura de destaque com suas obras, como “O Príncipe”, tornando-se um pensador do Estado e do exercício do poder estatal. Alguns até afirmam que Maquiavel é o pioneiro das ciências políticas, dada sua análise objetiva do Estado, do poder e do exercício desse poder por líderes políticos, desvinculada de considerações religiosas ou espirituais.
Maquiavel representou o início da “laicização” do pensamento político, abordando as questões de liderança política sem uma abordagem estritamente espiritual. Embora Maquiavel fizesse referência a exemplos da Bíblia em seu trabalho, sua análise estava centrada na ação política dos líderes, independente de conexões divinas ou religiosas.
Esse processo de secularização do pensamento político foi ampliado durante a transição da Idade Média para a Idade Moderna, quando pensadores como Grotius, Pufendorf, Wolf e o notável Immanuel Kant aprofundaram essa secularização, não apenas no campo político, mas também no campo jurídico.
É notável que muitos desses pensadores, embora possuíssem profundas convicções religiosas e espirituais, conseguiram separar suas análises da esfera exclusivamente religiosa. Isso serviu como um precursor crucial para o constitucionalismo moderno, que evoluiu a partir desses princípios e culminou na concepção contemporânea de jurisdição constitucional. Nessa jornada, foram destacados pontos essenciais que contribuíram significativamente para o desenvolvimento dessa importante ideia.
A Evolução da Jurisdição Constitucional: Marcos Significativos
Constitucionalismo Moderno:
Ao adentrarmos o universo do constitucionalismo moderno, testemunhamos a transformação do poder político em uma entidade racionalizada e institucionalizada, simultaneamente sujeita a limitações.
O cerne do constitucionalismo moderno reside na restrição do poder estatal, com o objetivo primordial de salvaguardar as liberdades individuais. Em essência, podemos resumir o constitucionalismo moderno como uma técnica que busca restringir o poder político com a finalidade de assegurar e garantir as liberdades individuais.
Nas palavras de Canotilho, é uma técnica de limitação do poder com objetivos garantísticos, ou seja, a proteção das liberdades individuais, configurando assim a essência do constitucionalismo moderno.
Desenvolvimento da Jurisdição Constitucional:
No tocante ao desenvolvimento da jurisdição constitucional, permita-me traçar uma trajetória sumária, sem esgotar o assunto, mas oferecendo uma visão geral desse percurso. Há antecedentes da supremacia constitucional, em que a ênfase estava na supremacia do Parlamento, como ocorreu na Inglaterra. Posteriormente, nos Estados Unidos, a supremacia constitucional foi estabelecida, trazendo consigo o conceito de “judicial review,” que, em essência, é o controle judicial de constitucionalidade.
Simultaneamente, na França, um modelo diferente de controle de constitucionalidade começou a se desenvolver, conhecido como o modelo político. À medida que o tempo passou, surgiram outras formas de controle, mas naquela época, predominava o controle político.
Esses dois modelos, o de controle judicial e o político, começaram a se difundir, culminando em uma segunda geração da jurisdição constitucional, com o estabelecimento dos tribunais constitucionais, especialmente na Áustria e na Europa continental.
Daí em diante, observamos uma tendência de mitigação desses modelos, onde muitas vezes a jurisdição constitucional adota características do modelo difuso e vice-versa. Isso ocorre porque esses modelos acabam se adaptando e se entrelaçando de alguma forma. Estamos falando de uma atenuação das características distintas desses modelos mais amplos, o que se deve às influências mútuas que ocorrem ao longo do tempo.
Assim, há antecedentes da supremacia constitucional, com ênfase na soberania do Parlamento; posteriormente, surgiu o “judicial review” nos Estados Unidos, ao mesmo tempo em que a França desenvolveu seu próprio modelo de controle político. Esses dois modelos se disseminaram e deram origem a uma segunda geração de jurisdição constitucional, com a criação dos tribunais constitucionais na Europa. Notamos ainda uma tendência à mitigação e à fusão de características desses modelos, ao longo da linha do tempo.
Conclusão
À medida que concluímos nossa jornada pela história e evolução da Jurisdição Constitucional, torna-se evidente que essa área do Direito desempenha um papel fundamental na proteção das liberdades individuais e na limitação do poder político. Desde os tempos antigos até o Constitucionalismo Moderno, a Jurisdição Constitucional tem evoluído e se adaptado para se tornar um elemento crucial em nossa estrutura legal contemporânea. Esperamos que este artigo tenha proporcionado uma visão esclarecedora sobre o assunto e que você esteja agora mais preparado para explorar a complexidade desse campo em detalhes. Continue acompanhando nossos artigos para aprofundar seu conhecimento jurídico. Até a próxima!
Resumo
Antiguidade:
A história do povo hebreu e sua relação com a Torah, ou Lei Mosaica, servem como um precursor histórico para o controle de constitucionalidade e jurisdição constitucional. Mostra como os reis eram obrigados a obedecer à Lei Divina e como profetas surgiam para apontar quando as leis eram violadas, estabelecendo a base para a fiscalização do poder em sistemas constitucionais modernos.
Grécia:
O texto explora o conceito de nómos e pséfisma na Grécia Antiga, indicando a evolução das normas de leis transitórias para normas perenes. Também menciona a ideia de hierarquia entre normas e como isso influenciou os princípios do controle de constitucionalidade.
Idade Média:
Este texto aborda a noção de jus naturale, ou Direito Natural, como uma norma superior ao Direito positivo na Idade Média. Salienta a transição do poder do Papa para o Estado e a emergência de figuras como Maquiavel, que trouxe uma análise secularizada do exercício do poder, contribuindo para o desenvolvimento do pensamento político e jurídico.
Constitucionalismo Moderno:
O texto destaca a limitação e a racionalização do poder político como pilares do constitucionalismo moderno, com o objetivo principal de proteger as liberdades individuais. Ele ressalta a técnica de limitação do poder político com fins de garantia dessas liberdades.
Desenvolvimento da Jurisdição Constitucional:
Neste texto, há uma visão geral do desenvolvimento da jurisdição constitucional ao longo do tempo. Aborda a evolução desde a supremacia do Parlamento na Inglaterra até a supremacia constitucional nos Estados Unidos e o controle judicial de constitucionalidade. Também menciona o desenvolvimento do modelo político na França e a criação de tribunais constitucionais na Europa, bem como a tendência de mitigação e mistura desses modelos ao longo do tempo.
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